A PGDC definiu o tema dos “cuidados” como uma das suas prioridades estratégicas de atuação no período de 2023 a 2026. Para o movimento municipalista, o cuidado é muito mais do que simplesmente política social, fazendo parte de uma visão política fundamental para transformar o modo como governamos, planejamos e vivemos juntos. O cuidado é reconhecido como o alicerce que sustenta a vida, o bem-estar e a igualdade e deve, portanto, estar no centro do planejamento urbano e das políticas públicas locais.

O reconhecimento da relevância do cuidado, tanto como trabalho quanto como direito, está em crescimento, impulsionado pela mobilização global, especialmente feminista. Nosso trabalho foca na necessidade de implementar “sistemas de cuidado” que o encarem como um direito universal, fundamentado na corresponsabilidade social e de gênero. 

Tais sistemas devem lidar com as desigualdades estruturais (de gênero, raça, classe, território, status migratório, entre outras) na percepção e distribuição do trabalho de cuidado. O desafio central é superar a falsa divisão entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo, que historicamente invisibilizou o cuidado no imaginário social e político.

A PGDC e seus parceiros têm enfatizado a importância de uma abordagem feminista e solidária para o planejamento urbano que se concentre na redução de iniquidades estruturais e territoriais. Considerar o cuidado como um serviço essencial é crucial para avançar em direção a sociedades verdadeiramente justas e democráticas para todos.

Em abril de 2024, a Rede Intercontinental de Promoção da Economia Social e Solidária (Ripess) e a PGDC responderam à chamada de contribuições para um estudo temático abrangente sobre a dimensão dos direitos humanos do cuidado e apoio, organizado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR). Nossa contribuição fornece respostas abrangentes a questões sobre reconhecimento de cuidados, políticas e medidas concretas, desde o nível dos territórios, bem como os desafios e a produção de dados desagregados. 

O relatório resultante deste processo foi submetido ao Conselho de Direitos Humanos em 2025, buscando consolidar o reconhecimento do direito ao cuidado e dos direitos dos cuidadores. O texto identifica boas práticas e desafios em sistemas de cuidado ao redor do mundo, além de apresentar recomendações para que governos, sociedade civil e organismos internacionais garantam o acesso universal e equitativo a serviços de cuidado.

Destaque de 2025: participação no 7º Relatório do Observatório Global sobre Democracia Local e Descentralização (GOLD VII)

A PGDC foi convidada a integrar o processo de elaboração do 7º relatório do Observatório Global sobre Democracia Local e Descentralização (GOLD VII), da rede Cidades e Governos Locais Unidos (CGLU) , que tem como tema norteador “Economias da Igualdade e do Cuidado”. 

O processo foi dividido em três fases:

Fase 1: O Cuidado como Aspiração e Inspiração (Julho 2024 – Fevereiro 2025)

Esta etapa se concentrou na conceitualização do cuidado de modo a descobrir valores comuns que possam servir como base para a construção de sistemas de cuidado compartilhados. Temas essenciais como saúde, segurança, economia, orçamento participativo, cultura, desigualdade de gênero e planejamento urbano fizeram parte da ampla investigação realizada por mais de 15 representantes de governos municipais, entidades da sociedade civil e academia. Dentre as conclusões está que cidades e territórios cuidadores são mais justos, democráticos e sustentáveis. 

Fase 2: A Infraestrutura Necessária para Cidades e Regiões Cuidadoras (Fevereiro 2025 – Setembro 2025)

O foco foram as estruturas necessárias para sustentar a agenda do cuidado. O relatório detalhou o conceito de “infraestrutura de cuidado”, que deve ser entendida de forma ampla, abrangendo infraestruturas duras (físicas), como espaços públicos, centros sociais/de saúde e redes de serviços; e infraestruturas intangíveis (sociais e de governança), incluindo redes, parcerias e mecanismos institucionais, como políticas e programas públicos, além de instrumentos financeiros necessários para colocar tudo isso em prática. 

Ao incorporar infraestruturas físicas e intangíveis na discussão, o GOLD VII promove uma abordagem integrada sobre o cuidado. Entre os temas investigados por mais de 20 entidades parceiras estão infraestruturas juvenis, planejamento urbano, políticas de tempo, saúde, saneamento básico, habitação, economia, restaurantes populares, política climática, educação, trabalho e migração. 

O objetivo foi colocar o foco na capacidade de ação dos GLRs de desenvolver uma infraestrutura urbana voltada à justiça socioespacial, além de destacar a importância das Parcerias Público-Comunitárias (PPCs) na co-criação de cidades cuidadoras. Entre as recomendações ao poder público estão: estabelecer o cuidado como uma lente transversal e criar conexões com agendas mais amplas; reconhecer, fortalecer e apoiar ações de cuidado já existentes; experimentar com iniciativas-piloto; usar o conhecimento local para identificar lacunas e avaliar o impacto das políticas públicas de cuidado.

A PGDC contribuiu nessa fase com a elaboração do documento intitulado Co-Creating Caring Cities through Public-Community Partnerships (Co-Criando Cidades Cuidadoras por meio de Parcerias Público-Comunitárias, na tradução para o português).

O texto, de autoria de Kelly Agopyan, Lorena Zárate e Sophia Torres, defende que o cuidado — individual, comunitário e para com o meio ambiente — deve ser entendido como infraestrutura urbana. Essa infraestrutura vai além dos termos físicos (como estradas ou edifícios), abrangendo também as dimensões simbólicas, políticas e sociais. A “infraestrutura de cuidado” é definida de forma ampla, incluindo espaços públicos e privados, serviços, práticas comunitárias, conhecimento, políticas e narrativas — tudo o que permite e facilita o cuidado coletivo e social.

Essa abordagem critica o paradigma urbanístico dominante, orientado ao lucro e à funcionalidade, que tende a ignorar ou dificultar as atividades de cuidado e reprodução social. Em contrapartida, defende-se uma reorganização urbana inspirada em princípios de cuidado, solidariedade, colaboração e bem-estar, priorizando pessoas e processos ecológicos sobre interesses de mercado.

A publicação demonstra como os governos locais podem transformar a provisão do cuidado, que ainda sobrecarrega de forma compulsória a mulheres e famílias,  em responsabilidade coletiva e pública através da construção dessas infraestruturas. Entre as recomendações ao setor público estão reconhecer, proteger e apoiar a infraestrutura e a dinâmica dos cuidados comunitários, visando a realização e o fortalecimento de ações fruto de parcerias público-comunitárias.

O texto detalha uma ampla gama de iniciativas que constituem as infraestruturas de cuidado, garantindo que este não seja um serviço isolado, mas uma vasta rede de conexões e apoios. Entre os casos de estudo de parcerias público-comunitárias em destaque pelo mundo, abordamos:

  • Mercado Makola – Accra (Gana): iniciativa de cuidado infantil para trabalhadoras do mercado informal, resultado da busca de mulheres organizadas pela criação de creches adequadas às suas necessidades e dinâmicas laborais.
  • Mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana) – São Paulo (Brasil): coletivo de agricultura urbana que transformou um espaço degradado em horta comunitária, o Viveiro Escola, contribuindo para a segurança alimentar da comunidade e autonomia econômica de mulheres vulnerabilizadas e periféricas.
  • Lares comunitários de bem-estar (Colômbia): o programa estatal de cuidado infantil Hogares Comunitarios de Bienestar (HCB) é baseado na contratação formal de “mães comunitárias” para cuidarem de crianças com menos de 5 anos, garantindo serviços essenciais com participação da comunidade.
  • Comitê Local de Água – Djougou (Benin): o Conselho Municipal estabeleceu um comitê comunitário focado na gestão integral e coletiva de uma represa para atender às necessidades locais, econômicas e ecológicas após um período de seca.

Essas experiências traçam um roteiro para sociedades que cuidam — das pessoas, do planeta e do futuro. O objetivo é garantir que os serviços de cuidado sejam integrais e intersetoriais, visando desprivatizar, desfemininizar e desfamiliarizar o trabalho de cuidado não remunerado, realizado majoritariamente por mulheres e meninas.

Fase 3: Recursos e Reformas Necessárias (Setembro 2025 – Junho 2026)

A etapa mais recente irá se aprofundar nas mudanças estruturais e nos recursos essenciais para que os Governos Locais e Regionais (GLRs) consigam implementar efetivamente as propostas das fases anteriores. Entre os temas centrais a serem abordados estão:

  • Repensar o atual sistema financeiro global, considerado inadequado para atender aos governos locais e aos esforços de suas comunidades.
  • Continuidade da renovação do sistema multilateral – tema que será enfoque da contribuição da PGDC
  • O capital político necessário para a implementação das iniciativas de cuidado.
  • O fortalecimento de parcerias com diferentes atores.
  • A estrutura da governança na qual os GRLs operam, que pode ser um recurso ou uma restrição para a promoção de cidades e regiões cuidadoras.

Continuidade e Agenda Política 2025–2026

  1. Cuidado como Novo Serviço Essencial (2026)

Além da entrega da última fase do GOLD VII, a PGDC também está engajada no processo de debate dos “Town Halls” da CGLU, que teve início em 2025, e culminará em 2026 na realização do Congresso Mundial da CGLU em junho. A proposta é viabilizar uma ampla discussão pública dedicada aos “Novos Serviços Essenciais”. O objetivo é aprofundar a compreensão sobre a provisão local de serviços essenciais, incluindo o cuidado como um direito humano e bem comum, ao lado de habitação, água, energia, saúde, educação e conectividade. O direito ao cuidado é essencial para a garantia de múltiplos direitos humanos, como a igualdade e os direitos trabalhistas, e não pode ser plenamente realizado sem a garantia adequada do próprio direito ao cuidado. Governos locais têm um papel estratégico em integrar o cuidado como diretriz de políticas urbanas e promover a governança colaborativa.

  1. Pacto Social Local: a discussão anterior visa como resultado político enriquecer o Pacto Social Local – proposto e mobilizado também no âmbito da CGLU – com compromissos ambiciosos, entre os quais, a PGDC enfatiza:
  • A necessidade de uma abordagem feminista e de cuidado ao planejamento urbano, focada na redução de iniquidades estruturais.
  • O reconhecimento dos serviços essenciais como bens comuns e direitos humanos.
  • O papel das parcerias público-comunitárias na expansão do acesso a esses serviços, reconhecendo o “tecido social” fragilizado que precisa ser sustentado por um novo pacto social.

Conferência Regional sobre a Mulher

Entre 12 e 15 agosto de 2025, participamos, na Cidade do México, da 16ª Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e Caribe. A PGDC organizou junto à Direção Geral de Relações Internacionais e Cooperação da Cidade do México duas atividades: 

1- Evento paralelo aprovado na programação oficial do evento, intitulado “Rumo a cidades e territórios de cuidados: fortalecendo políticas, infraestruturas e redes comunitárias de cuidados”

A atividade buscou abordar o direito ao cuidado conectado ao direito à cidade, a partir dos territórios e das experiências comunitárias. Esse evento contou com a participação de Kelly Agopyan, Assessora da PGDC e do Instituto Pólis, Ana Falú, Diretora-Executiva da CISCSA (Argentina) e da Rede Mulher e Hábitat da América Latina, Amanda Flety, Diretora-Geral de Relações Internacionais e Cooperação da Cidade do México, e Fernanda Lonardoni, chefe do Escritório da ONU-Habitat para México, Cuba e América Central.

2 – Evento no Pavilhão dos Cuidados, espaço organizado pela Aliança Global pelos Cuidados, intitulado “Abordagem comunitária e territorial dos cuidados nas políticas públicas locais”

Este evento teve como objetivo abordar o papel da comunidade na prestação de cuidados e na garantia do direito à assistência daqueles que mais precisam, a partir de uma perspectiva interseccional de gênero, raça, classe e território. 

A atividade contou com a participação de Kelly Agopyan, Assessora da PGDC e do Instituto Pólis, Amanda Flety, Diretora-Geral de Relações Internacionais e Cooperação da Cidade do México, Laura Pérez Castaño, especialista de cuidados da ONU-Mulheres e Nancy Marlene Núñez Reséndiz, Alcadesa de Azcapotzalco da Cidade de México.