A aprovação da Nova Agenda Urbana (NAU), como resultado da Conferência Habitat III (Quito, 2016), certamente representa um avanço para o reconhecimento do direito à cidade pelos organismos internacionais e pelos países.Mas esse passo por si só não é suficiente para superar os desafios que historicamente se impõem para a agenda do direito à cidade. Mais do que isso, o processo de elaboração da NAU deixou evidentes os limites e barreiras da negociação internacional e as divergentes concepções sobre o urbano.

Esses temas foram abordados em um debate promovido pela Plataforma Global pelo Direito à Cidade e Instituto Pólis na cidade da São Paulo, no último dia 29 de maio, com a participação de Ana Falú (Universidade de Córdoba), Lorena Zarate (Habitat InternationalCoalition) e Nelson Saule Junior (Instituto Pólis).

Embora traga importantes elementos do direito à cidade, especialmente nos parágrafos 11 e 13 (fruição e ao uso igualitários das cidades; cidades e assentamentos humanos justos, seguros, saudáveis; função social e ecológica da terra; igualdade de gêneroetc), alguns componentes centrais desse direito acabaram não sendo reconhecidos no texto da NAU.

Um dos exemplos mais evidentes é a ausência de qualquer referência à democracia, um valor fundamental e irrenunciável para que as cidades possam ser verdadeiramente justas. Em países submetidos a regimes autoritários ou que, como o Brasil, estão passandopor rupturas políticas graves, a vida nas cidades tem piorado. É preciso que haja um compromisso genuíno com a democracia nas diversas escalas de governo (nacional, subnacional e local) e que se amplie a noção de cidadania e de participação, valorizando processos mais horizontais e transparentes.

Em um contexto de avanço do conservadorismo e de retrocessos em relação aos direitos humanos, com práticas discriminatórias contra imigrantes e refugiados, a luta pelos valores democráticos é crucial.

Outro componente é o reconhecimento da diversidade e do direito à identidade nas cidades, o que é distinto de simplesmente afirmar “cidades para todos”.  As diferenças de renda e riqueza não explicam plenamente o acesso ou exclusão das pessoas aos benefícios gerados pelas cidades. Fatores como raça, gênero, orientação sexual, origem, dentre outros, são estruturais das relações sociais que permeiam o urbano. É preciso tornar evidente que mulheres, pessoas negras e transgênero, por exemplo, são afetadas de forma completamente distinta em relação às políticas urbanas.

Por fim, precisamos avançar no reconhecimento de que as cidades são bens comuns. Existe um direito de ocupar e transformar as cidades em favor dos interesses coletivos, superando valores de troca e a mercantilização do urbano.

Por Henrique Botelho Frota

Secretário Executivo do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e membro do Instituto Pólis, organizações integrantes da Plataforma Global pelo Direito à Cidade